Talvez um almoço de fino trato no Pavilhão de São Cristóvão, a referência de comida nordestina da cidade – ou até mesmo cds de jazz encalhados numa loja que vende forró a granel.
VOCÊ pode caminhar lentamente a partir da feira, numa longa reta com aclives e declives, cheia de casas antigas bem cuidadas e prédios pequenos, até que no fim vai se deparar com a parede cinza e branca até que a cruz de Malta esteja à vista e, assim, poderá se sentir em casa.
Do outro lado, o Almirante, a entrada dos homens de classe, as biroscas com cerveja geladíssima e um clima de despojamento que não se vê noutras praças de futebol. A pobreza é do outro lado? Nem tanto, meu caro: os celulares à mão e as antenas de TV a cabo denunciam que o Brasil é outro, que não precisamos nem devemos ter qualquer preconceito com vizinhos menos abonados – qualquer morador da Barreira do Vasco é infinitamente mais digno do que o juiz que abocanha o carro do processado para si.
Belas mulheres fornidas, morenas, louras, corpos voluptuosos e suas camisas justas com a faixa diagonal do coração a tomá-las de corpo e alma. Espiar exige discrição e grande respeito.
Senhores gordos, portugueses típicos, garotas de rostos lindos e olhos verdes, alvas, alvas, os cabelos claríssimos. Rapazes de feições nordestinas, sulistas, muito cariocas. Gente.
Quando se passa pelas roletas e se olha para cima, um misto de história e apreensão – será que as escadas estão seguras? – a história nua e crua! – esse estádio tem quase 88 anos a serviço do esporte no Brasil: pense em quantas e quantas coisas não foram vividas dentro ao redor desse palácio de concreto?
Pessoas elegantes, simples, humildes. Guerreiros solitários, amigos. Gente de todas as formas, cores e lugares. A bela arquibancada preta, oxalá um dia com assentos confortáveis, mas fascinante assim mesmo.
No gramado, os mais velhos podem procurar Friaça, Fausto ou Danilo Alvim. Chico. E se Leão desse um chilique? Mazzaropi, fiel. Orlando Lelé, uma saudade enorme. Roberto, sim, o do campo, o dos gols inesquecíveis, das grandes cobranças de falta. Os velhos treinos com Dunga, Geovani e Tita; Mauricinho e Romário.
Que tal as figuras mitológicas de Oto Glória e Orlando Fantoni?
Vai ter jogo do Vasco contra o Bangu logo mais.
Num lugar especial desses, um jogo não é apenas um jogo, mas um evento. Um acontecimento. Não importam os cartolas que jogam contra a torcida, não importa se o time não é o ideal. Quem disse que ir ao campo é certeza de vitória e conquista? Não, elas são importantes, mas o essencial é viver e se apaixonar por tudo aquilo.
Ir a São Januário é muito mais do que apenas assistir a uma partida de futebol. Passe pelas roletas, olhe debaixo do céu e perceba a atmosfera que não cabe num livro, disco ou filme.
Uma vez teve pó-de-mico e o jogo demorou a começar. Castor não existe mais, Eurico segue firme. Outras histórias de risos, dor e fé. A vida em vísceras vigorosas.
Uma estrela na terra a brilhar iluminando o mar. Sábio Lamartine.
@pauloandel